Pensei em jogar os filtros no lixo e esconder meu vício. Iria vestir a blusa mais bonita e deixar meu cabelo molhado. Talvez deixaria alguns textos, livros e uma revista jogados pelo chão. As músicas que ouviria ainda não estavam enfileiradas, certamente ouviríamos as suas. Lembrei da parte interna da geladeira e me exaltei um pouco, na preocupação de talvez ela estar vazia. A cama ao lado da minha janela estava numa boa altura - deitados não poderíamos ser vistos. O que eu diria não me causava pânico, pois não passava pela minha mente falar muito. Não havia motivos para te ouvir. Meu interesse era hegemonicamente sensorial. Contudo, meu pacto não seria rompido.
Tato. Sentir os contornos da sua face e as pontas dos seus dedos.
Tato. Sentir suas mãos, mesmo que por cima da blusa mais bonita.
Visão. Olhar no fundo dos seus olhos e enxergá-los abandonados.
Visão. Você enxergando o antigo garoto ingênuo.
Olfato. Aspirar você na certeza de que está ao meu lado.
Olfato. Você relembrando o cheiro que já não sinto.
Paladar. Reexperimentar o gosto amargo do seu pescoço e da sua boca.
Paladar. Você reexperimentando a carne rejeitada.
Audição. Você verbalizando outra desilusão.
Escureceu tranquilamente. Adormeci tranquilamente. Não havia motivo pra desespero. A distância já atingiu uma proporção tão significativa, que nem posso localizar você em meu peito.
O esperado. O repetido.
Amanheceu tranquilamente.